No último sábado, 14 de setembro de 2024, foi aberta a última Urna do Tempo que minha mãe promoveu com alunos das 7as e 8as séries no ano de 2004, quando professora de história no Colégio São José, em Apucarana. Vinte anos atrás eles foram convidados a colocar fotos, cartas, recortes de jornais e revistas dentro de envelopes que ficariam lacrados por duas décadas. Eram, naquele momento, adolescentes de 13 e 14 anos.
Após uma cerimônia emocionante e cheia de reencontros, fomos com minha mãe, a professora Lucíola Cardoso França, para casa. Ela, então, pôs-se a abrir os três envelopes que continham seu nome. Dentro havia fotos de família, jornais da época, uma carta endereçada a mim, minha irmã e nosso pai, e três cartelas de adesivos com um papelzinho grampeado no qual se lia: “Para meus netinhos e netinhas. Beijos! Vovó Lucíola”.
Dentre as muitas coisas interessantes e relevantes que ela havia mandado para o futuro naquele setembro de 2004 – como fotos da cidade que nos fazem lembrar e sentir saudade de uma Praça Rui Barbosa totalmente arborizada – aquele papelzinho teve um significado especial. Foi tocante ver meus filhos recebendo os adesivos guardados por uma pretensa avó duas décadas atrás, quando eles nem sequer eram imaginados.
Durante a cerimônia, a estudante que discursou em nome dos colegas destacou a presença das crianças, filhos e filhas daqueles que resgatavam ali memórias da adolescência. Os risos, conversas e corre-corres da nova geração inundavam o auditório. A estudante ressaltou como era bom ver todas aquelas pessoinhas ali, como sementes para um futuro que não temos ideia de como será, mas que, certamente, virá.
Ninguém passa ileso a vinte anos. Vidas se transformam, sonhos mudam. Possivelmente, muitos dos desejos para o futuro depositados pelos estudantes na Urna do Tempo não se concretizaram, ou não fazem mais sentido. Talvez, também, alguns tenham se mantido firmes nos propósitos idealizados na adolescência.
Minha mãe, idealizadora mas também participante da Urna, expressou um de seus sonhos com aquelas singelas cartelas de adesivos: um sonho de deixar sementes, que se concretizaria no futuro. Também um sonho de legar futuro para suas sementes.
O projeto Urna do Tempo foi realizado nos anos de 2003 e 2004, após a professora Lucíola ter tido um sonho enigmático, como ela mesma relata: “Lembro que um homem caminhava na neve e tropeçou em algo enterrado. Era uma caixa cheia de cartas do passado”. A primeira abertura, em 2023, envolveu quase 300 estudantes de 5a e 8a séries e o Canal 38 esteve presente fazendo a cobertura. A abertura em 2024 envolveu o mesmo número de estudantes de 7a e 8a, anos nos quais a professora Lucíola lecionava na época. No ano passado, ao marcar a primeira abertura das urnas, o Colégio São José realizou mais uma etapa com alunos do 3o ano do Ensino Médio. Essas urnas terão uma duração mais curta e serão abertas em 2033.
Após a conclusão da abertura das urnas promovidas por ela, minha mãe se dizia realizada e contente pelos reencontros com os alunos e alunas, muitos mães e pais; todos profissionais. Exaltava que, mesmo com suas vidas atribuladas, lá estavam eles ansiando por rever um passado distante do que são hoje, que puderam ressignificar com o olhar amadurecido por vinte anos de experiências e novos planos. E puderam dividir aquele momento com quem faz parte de suas vidas hoje. O projeto Urna do Tempo representa mais que um resgate do passado, é uma verdadeira ode ao futuro.
*Cecília França é jornalista e apucaranense